quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

angiospermas traidoras

costumava ir com a família ao parque, nos domingos. conhecia ele todo, de canto a canto, de árvore à árvore. já havia brincado em todos os balanços, girado em todos os sentidos nos gira-giras, escorregado de barriga no escorregador. as árvores eram as melhores amigas. havia as com galhos finos, com galhos grossos, com formigas. preferia uma, em especial. era tão cheia de folhas, tão volumosa, que transferia a um grande raio em volta uma sombra refrescante. gostava da sombra. era fresca, o vento parecia gelar por ali. já tinha um caminho para subir nela. sabia em que galho se apoiar, sabia quanto impulso devia fazer, sabia proceder em situações de emergência. de início, o pai a levantava para subir ali. depois, só servia de apoio. passado mais tempo, só assistia. a sua garotinha não precisava mais de ajuda. ela crescera ali, criara com a árvore uma intimidade grande. ali aprendeu a gostar da natureza. vivia em um submundo bucólico, como se uma bolha a envolvesse, a protegesse. enquando a mãe conversava com outras mães sobre outras mães, ela ficava ali, e o pai observava-a. eles começaram a confiar na árvore, passaram a acreditar que ali a filha estaria segura. a árvore foi o baluarte de uma infância pura, de toda uma essência juvenil. com o passar do tempo, a garotinha cresceu. não mais ia ao parque, mas não havia se desvinculado de sua melhor amiga. gostava de pensar que a árvore sentia saudades, que a árvore gostava que fossem conversar com ela, visitá-la. foi, um dia. sem os pais. já se sentia grande, por dentro e por fora. crescera de forma bonita, tinha belas feições. chegara ali. a penumbra do dia nascia, mas ali estava segura. não notara o tempo passando. a última coisa que escutou foi "essa aí é branquinha por fora.. deve ser vermelhinha por dentro!". quando viu, estava no chão. um estranho olhava para ela com um semblante carnívoro, sedento. possuiria ela ali, ninguém por perto. a árvore tapava a visão de quem passava pelo lado da praça, de carro. agora traí-a: sem a árvore, aquilo não aconteceria. "essa raba tá muito lisa pro meu gosto!". sentiu uma pressão, mas estava confusa. preferia acreditar que não acontecia. "tu vai ver agora, meu bem, vai ver agora". a pressão era tanta que desmaiou. acordou, era noite. as calças arriadas, as pernas sujas de terra, a calcinha rasgada, no chão. não entendia o que acontecia. sentia ardência por dentro, como se cinco mil garras de aço a tivessem cortado em mil pedaços e seu corpo não tivesse remendado-se. a árvore ali, inóspita, estática, indiferente. percebeu o que tinha acontecido. tinha vontade de chorar, mas não tinha força (..) não era mais a mulher feliz, não era mais mulher. sentia-se como conteúdo de lixeira, com chorume escorrendo pelos cantos da boca e maculando a pele leitosa. muitos contrapontos instauravam-se na sua mente. a árvore fora o início, mas também o fim. ou teria sido o fim, para depois ela realmente viver a vida real, o início? não sabia responder o que era início, o que era final. não sabia responder coisa alguma. os galhos traíram-na. agora, sentia-se só em mundo, fora da bolha. podia olhar as crianças viverendo em suas bolhas, e agora pensava em estourá-las com um objeto fálico, assim como fizeram consigo. plox: vida real, podre.

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