domingo, 30 de março de 2008

a cidade dos buracos voadores

PARTE I

a coisa com enéias funcionava de um modo simples. entrava, fodia e saía. ao seu redor pontos pretos; ocultando profundidade, com um leve sombreado cor-de-café. milhares de buracos replicantes perdidos no caos, esperando. enéias entra, fode e sai. simples. uma cidade com buracos voadores, uma cidade só de homens, sacos como granadas de sêmen sem o pino, precisando explodir. cus flutuantes espalhados por aí. dessa vez, com enéias, foi diferente. entrou e não fodeu. também não saiu. entrou e ficou, ficou. apertado, um pouco morno, uma leve sucção. não queria sair. a coisa já não era tão simples. ali esquecia de tudo, e esquecer fazia bem a enéias. queria poder esquecer para sempre, ser feliz ali. enéias comprou uma gaiola com fechadura, onde guardou o buraco. sua perdição, ou o início de algum sentido. aquela cavidade parecia dotada de personalidade: ditava o cotidiano de enéias, ou enéias deixava-se ser ditado. gostava assim. começava a entrar, ficar, sentir a pressão, o calor, a sucção. começava a foder, mas não saía. assim, enéias vai ficando cada vez mais sexualmente ambicioso. foi a uma loja e comprou um arpão, um triciclo e sanguessugas. de alguma forma, usava isso enquanto fodia. agora não mais entrava, só fodia e fodia e fodia. o pobre buraco, antes negro, estava amarelo, gasto, algo como uma fita de gilete velha, sem lubrificação. enéias passou a sentir dor, e começou a só sair. não entrava, tampouco fodia. não conseguia. foi a uma loja de pomadas e comprou pomadas de eucalipto para o pau. ardia um pouco no início - depois anestesiava, formigava. voltou a foder. estava apaixonado, e o buraco - agora verde, besuntado de pomada - não aguentava mais.

PARTE II

na manhã em que enéias saiu para comprar uma bomba de vácuo, buraquinho, que agora era um buracão, viu um lobo pela janela. lobo a procura de carne, com fiapos da refeição de ontem nos dentes. os bigodes vermelhos de sangue. em seu bolso, uma navalha. gostava de matar suas presas com uma navalha. começava pela pele do ombro, pouco acima da omoplata, subindo pelo pescoço, até traçar uma horizontal na linha da garganta. um sangrento plano cartesiano. lobo, além de estar com fome, estava com as bolas cheias. estresse. olhou para uma casa e, pela janela, viu uma gaiola com um buraco. conhecia esses buracos, a rua transbordava buracos. aquele buraco parecia especialmente triste. lobo, como qualquer cão, aproveitou a triste situação para se aproveitar. cafetão de cu, onde já se viu? entrou na casa. ela tinha apenas um cômodo, com a janela por onde entrou, uma estante de pomadas, um arpão ao lado de um triciclo e um aquário de sanguessugas. as paredes tinham cor de chá-mate decantado. escrito em sêmen, em uma delas jazia a mensagem:

ENTRA, FODE E SAI.
OU ENTRA, E FICA.
OU FODE E FODE E FODE.
OU NÃO ENTRA NEM FODE, SÓ SAI.
SIMPLES ASSIM.

achou aquilo tudo muito estranho. tirou a navalha do bolso e libertou buraquinho. ah, liberdade. buraco só teve uma forma de retribuir: foder. lobo tirou toda sua roupa e fodeu, e buraquinho se sentiu como há meses não se sentia, graças ao seu envolvimento com enéias. feliz, pulsante; carne pulsante, vontade de liberar energia. esqueceu de tudo, assim como enéias sentia-se dentro dele. se apaixonou por lobo. lobo agora queria sair, e buraquinho não deixava, comprimindo-se. lobo não conseguia alcançar as pomadas lubrificantes. preso, preso! enéias voltou com dois carregadores negros, carregando uma grande caixa de papelão. ao verem aquela cena, os carregadores riram de enéias, que não entendia a situação. a gaiola aberta, buraquinho sendo fodido por um lobo, um lobo querendo sair, carregadores, arpão, triciclo e sanguessugas, bomba de vácuo, saco de granada, suor na testa, buraquinho feliz, buraquiho pulsante, pichações com sêmen. tudo em sua volta fundiu-se em uma coisa só, nauseando-o. viu a roupa de lobo jogada no chão. descobriu a navalha no bolso: chicoteou-a no pescoço do primeiro carregador, cortou o outro pela nuca. navalha com sangue. em um ato impensado e desesperado, baixou as calças e cortou o pau, de uma vez só. guilhotinas produzindo sons metálicos nas ruas da frança. sangrou e sangrou. não poderia mais entrar ou foder ou sair ou qualquer coisa. aquela carne morta caiu no chão e ali ficou, banhada por sangue e melancolia.

PARTE III

lobo também estava confuso. viu o pau no chão, sem vida, inerte. uma visão do trágico e também do risível. sófocles chamaria a cena de catarse. os deuses assistiam a cena e éris, a deusa da discórdia, ria. lobo começou a uivar, como se nada mais importasse. chegou perto do flácido pau, cheirou, rodeou-o. deitou em cima. enquanto enéias contorcia-se no chão de dor e borrifava sangue por todo o piso, buraquinho chorava dentro de sua gaiola e os corpos dos carregadores mortos poluíam a sala, lobo ficou aquecendo aquilo que fora um dia um objeto venoso, vermelho e latejante. o pau era agora seu filhote. estava apaixonado. pegou-o com a boca e o levou para a floresta. andou e andou. cavou uma espécie de gruta. acreditava que se aquecesse, alimentasse e desse carinho ao pau, ele renasceria. moscas varejeiras acharam a caverna e começavam a depositar seus ovos em cima da carne em estado pútrefo. dali a poucos dias haveria algumas larvas profundissimamente sifilíticas. a fome de lobo havia passado, mas sua libido não cessava. queria foder, e foderia. na floresta não havia buracos voadores. em uma jogada a frente de seu tempo, catou um graveto grosso e firme perto de uma árvore de cacau. colocou-o por dentro do pau, começando pela parte cortada, atravessando canais e nervos, até chegar no fim. quando sentiu que a ponta do graveto encostou na extremidade interna da cabeça, parou. pau duro. lobo foi fodido pelo seu filhote ereto. gemia e uivava, gozava, experimentava sensações e alcançava estágios mentais elevados, atingindo a plena concepção da verdade. a verdade através do sexo. o ex-pau de enéias se rasgou mediante tamanho furor sexual. lobo, decepcionado e vendo seu amor verdadeiro, sua ferramenta para alcançar a verdade dilacerada, enterra seu filhote na floresta. sai a procura de carne sangrenta e sexo. volta à casa de enéias. o velho ainda deveria estar agonizante, após alguns dias de castração. depara-se com um enéias altivo, pelado, com uma furadeira no lugar do pau, presa à pele com toscos grampos de colégio. cicatrizes e hematomas na região pelífera. cuzinho sangrava, decadente, obviamente vítima de vários furos. enéias consegue imobilizar lobo agarrando-o pelas têmporas. troca de OFF para ON em sua virilha, e entra. começa a foder. sai. lobo sangra pelo cu. seu buraco cria asas, estava morto. o cu de lobo começa a vagar pela cidade, como mais um ponto preto replicante, com um leve sombreado cor-de-café. enéias troca de ON para OFF em sua virilha. realizou-se. tranca-se na gaiola de buraquinho, espremendo-se. fecha a porta, dorme. apertado, apenas deveria que se contentar com o que tinha e com o que tinha conquistado. simples assim.

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